quinta-feira, dezembro 20, 2007

e ele partiu, todo de branco

Ele nunca foi adepto das despedidas, tudo era tempestuso, intenso, com ele os meio-termos eram dispensáveis. Nunca esquecerei o fogo dos seus olhos, o abraço terno, o sorriso disfarçado, a gargalhada que assustava. Um cigarro atrás do outro, como quem consome desesperadamente cada gota da vida. As roupas caras, o perfumes, a postura altiva apesar do corpo frágil.
Bebeu da vida como poucos, tenho inveja das suas aventuras. Me ensinou tudo de bom e também tudo aquilo que não presta, meu herói, meu arqui-rival. O maior guerreiro que já vi.
Foi embora num instante, como quem pega uns trocados e vai até a padaria comprar cigarros e tomar café, justamente quando eu tinha certeza que última viagem seria adiada mais uma vez. Ajudei-o a fazer as malas, velei seu sono induzido e olhei bem fundo nos olhos que me criaram e em silêncio agradeci por tudo, e hoje eu sei que ele me entendeu.
A medicina é estranha, é uma luta contra o inevitável, disseram q eu podia ir, que ele ia me esperar, mas não deu. Quando eu voltei, a cama vazia, os cinzeiros limpos e o copo de uisque guardado ármário. Chorei feito criança, da mesma maneira em que chorava no seu colo quando eu era criança, mas dessa vez eu não pude deitar no seu peito e te chamar de meu chegado, meu xará...
Fechei a tampa da urna, e o carreguei, com lágrimas e uma dor que parecia que não ia suportar. Os bons e maus momentos na memória, lições de garra, de dor e de honra. Noites mais tarde eu tive um sonho, voltava pra casa da minha infância e me disseram que ele tinha ido viajar, corri para o nosso esconderijo, a montanha onde conversarvamos sobre o mundo, no tempo em que o careta era eu, lá eu o achei, todo de branco, subindo num elevador, corri para as escadas, ele me sentiu, desceu do elevador, pegou em minha mão e eu fui criança, o adulto que sou e o velho que serei naquele caminho. Me advertiu denovo de que a vida era bela e a estrada era dura. Disse que à partir deste dia estaria comigo em todos os momentos, no meu andar desengonçado, no meu jeito de bagunçar o cabelo quando estou nervoso, numa música qualquer do Raul e que nós estamos ligados eternamente em nossa energia, porque eu sou ele em um outro devir, em um outro tempo e que agora era comigo, que a sua parte estava feita e ele precisava descansar.
Meu pai me disse boa sorte. No sonho e no leito do hospital, a ultima vez em que nos olhamos não sai da minha mente.
Agora fito o céu, ouço a música e sinto saudades, mesmo sabendo o quanto ele está próximo. Como todo bravo, ele vive pra sempre. Na minha memória, no meu sangue. E de branco ele partiu, deixando em mim o seu legado, a história de quem conquistou o mundo, perdeu, sacudiu a poeira e ganhou tudo denovo, quando todo mundo duvidava e num momento em que qualquer um desistiria.
E ele partiu, do pó ao pó como dizem... de branco como queria, para finalmente se juntar as estrelas e cuidar de mim como sempre cuidou.

Peito de aço e coração de bronze, agente se vê um dia.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

baboseiras de começo de ano

A chuva lava o asfalto, mas mesmo com a umidade, faz calor. A fumaça, os carros, o cinza típico do lugar onde eu nasci. Não faz nem duas semanas que estou aqui e uma vontade enorme de voltar para o lugar onde eu tenho vivido.
Como todo mundo, chega essa época do ano eu tento fazer um balanço, e apenas uma palavra me vem a mente: caramba. Nessa semana de tédio e chuva fiz dois bons amigos. H. Humbert e Dorian Gray, pensei muito sobre a vida, pensei sobre a arte, também me apaixonei por uma certa Dolores Haze e me vi envolvido pelos belos discursos de um dandi chamado Harry, foi triste me despedir deles.
O barulho dos carros não me deixa ouvir meus pensamentos, algumas imagens emergem na lembrança, as mesmas promessas que todos fazem, aquele otimismo que chega soar falso e pedante. Não que eu não tenha esperanças, mas é que eu fico irritado ao ouvir todas aquelas promessas tolas, de q podemos tornar-nos pessoas melhores no ao que vem, mas isso sempre fica pra um futuro que não chega.
Prefiro não criar esperanças, aliás o pior dos demônios libertados por Pandora. Um dia de cada vez, uma batalha por dia, uma madrugada apaixonada de cada vez, saborear a taça de vinho sem pensar na próxima...