sexta-feira, novembro 24, 2006

kanku dai - fitando o céu, mais uma vez...

A luz da rua projetava belas sombras da janela, e iluminava o corpo dela deitado em um colchão no chão, e sentado no chão eu apenas observava. Fechava os olhos e pensava apenas em coisas amenas. Queria uma máquina fotográfica, ou apenas uma folha em branco e um lápis, mas tudo o que podia fazer era fixar aquela imagem na lente. O teto começava a ficar familiar, e naquela escuridão podia alcançar o infinito.
Uma música suave embalava os sonhos da menina, que dormia com um sorriso no rosto, assim como os anjos dormem.
Fui até a janela, não sei quanto tempo olhei para o céu. Dessa vez sem lágrimas, sem vontade de pular, se fosse para mergulhar em alguma imensidão, que fosse naqueles olhos irriquietos, ou na pequena morte daqueles beijos. Seria isso a poesia que tanto busquei?
As estrelas não deram a resposta que esperava, talvez ela estivesse em meu íntimo, na escuridão reconfortante de quando fecho os olhos. Eu desligo o rádio, assim posso ouvir a sua respiração, volto para a janela, fito o céu mais uma vez, dessa vez sem sonhos intranquilos, apenas um sonho bom que vem com as luzes da aurora.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Sobre Revoluções, Levantes, Sonhos, Oaxaca e outras coisas que não se aprende vendo TV.

Sobre Revoluções, Levantes, Sonhos, Oaxaca e outras coisas que não se aprende vendo TV.


Quero começar essas linhas em tom de reflexão, justamente porque ao se falar de sonhos, o rigor da norma, a imparcialidade e outras convenções, roubam a magia desses instantes, momentos estes que não há outra palavra para classificá-los senão como mágicos.
De início, é preciso falar sobre algo desagradável, admito, queria começar com algo mais ameno, mas essa pergunta que não quer calar, se faz necessária. Porque será que toda vez que o mundo vira de cabeça pra baixo, as coisas sempre voltam a ser como eram antes? Ou até pior?! A Roda Viva da História segue seu giro, revolução, pessoas lutando para quebrar suas amarras, o estado das coisas reage com firmeza, gera traições, que culminam em um Estado ainda mais opressor, e novamente, botas em marcha e tons de um cinza tristonho.
Sabemos que a História é contada pelos vencedores, e eles classificam os levantes, ou insurreições, como revoluções que fracassaram, justamente por não completarem seu ciclo, movimentos fora e além da espiral hegeliana de “progresso”, esse ciclo vicioso em que vivemos. Surgo: levante, revolta. Insurgo: rebelar-se, levantar-se. Ações de independência. A quebra das amarras dessa roda, porque não dizer kármica?! Que rege nossas vidas.
Disseram-me que a história é tempo, sendo assim, uma insurreição é um momento fora do tempo, um instante mágico em que o homem enfim se liberta. Pra isso darei um exemplo que se desenrola enquanto escrevo, em Oaxaca, ao sul do México, um insurgo está em andamento. Um país democrata-liberal que passa por uma série de escândalos eleitorais. Tudo começou com uma greve de professores, que sofreu uma reação violenta por parte do estado, que gerou uma insatisfação geral na população que se organizou em apoio na luta contra o Estado das Coisas, essa reação foi pacífica, sem líderes, gerida e pensada pela comunidade, comunidade esta com raízes indígenas, guerreiras e acostumadas com a horizontalidade de decisões. O governo enviou seus esquadrões da morte, à paisana, clamando por sangue. O povo ergueu suas barricadas, tomou rádios e universidades, e vêm se defendendo desde julho. O governador tentou copiar seus amigos Yankees, e no feriado de finados tentou um último ataque, que foi frustrado com pedras e molotovs. Essa coisa não se vê na TV, e aparecem em notas pequenas nos jornais, onde o espírito de coletividade dessa aliança popular nem ao menos é citado. Alguns sonhadores, e posso dizer que me incluo entre eles, chamam esse instante mágico como uma nova comuna de Paris, e torço pra que ela não seja destruída como sua antepassada, e que também nunca entre na Roda Viva.
Mas a insurreição também não precisa ser armada. Nossos cotidianos podem possuir também essa mística, momentos de libertação em que juntos somos senhores de nós mesmos. Por mais que o controle e as relações de poder tenham suas influências nefastas até mesmo na esfera de nossa vida privada. Em nosso cotidiano, com todas suas alegrias e desgraças, é que reside a chave para essas fugas da História como a conhecemos. Nas conversas de bar, nas associações de bairros, nos centros acadêmicos, nos escritórios, na sala da sua casa. Escreva um poema e depois um livro, plante uma árvore, deixe o carro em casa, saia de bicicleta. Se organize, entre para uma ong, um coletivo, sei-lá. espalhe suas idéias, converse com um amigo. Olhe nos olhos. Mate um dia no trabalho, atire poemas nas vidraças, escreva a sua música nas paredes. Vibre! Mas não vibre sozinho, grite pra todo mundo as coisas que aprendeu enquanto estava mudo, conecte-se com os outros, espalhe essa idéia, façamos nossos próprios levantes. Que essas insurreições cotidianas sejam nômades e fantásticas, pequenos instantes fora da lógica que seguimos, que se comece uma reação em cadeia, como um big bang que surge da explosão de uma partícula hiper-densa. Qual será a densidade dos nossos sonhos?Sejamos quem quisermos façamos aquilo que der na cabeça. Afinal, somos todos condenados à liberdade.
Encerro essa divagação, com um poema que eu reli na noite passada:

Aqui, com um Pão debaixo dos Ramos,
Um frasco de Vinho, Um Livro de Versos – e Vós
A meu lado cantando no Deserto
E o Deserto é o Paraíso para nós.

Ah, meu Amor, encha a taça que redime
O hoje das Lágrimas passadas e futuros temores –
Amanhã? – Bem, Amanhã eu posso ser
Eu mesmo com os Sete Mil Anos de Outrora.

Ah, Amor! Poderíamos conspirar com as Moiras
Para agarrar inteiro esse lamentável Esquema das Coisas,
Não iríamos estilhaçá-los em pedaços – e então
Remoldá-lo mais próximo dos Desejos do Coração?

Omar FitzGerald.

E uma exortação do Profeta:

Eu vos digo: é preciso ter ainda caos
dentro de si, para poder dar luz a uma
estrela dançarina. Eu vos digo: ainda
há caos dentro de vós...
- Zaratustra




Para ler mais:

www.rizoma.net
www.sabotagem.revolt.org
http://www.midiaindependente.org/

sábado, novembro 04, 2006

As paredes da casa vazia são incapazes de conter uma mínima sensação de conforto. A Tv ligada apenas para me lembrar de como são os ruídos produzidos pelas pessoas. Na cozinha, louças com mais de uma semana de uso, na geladeira apenas a garrafa de água. No rádio, uma música triste. Sempre tive medo da solidão. Mesmo que muitas vezes opte por estar sozinho em meio as pessoas, mas era uma opção, e não uma sentença.
Meus demônios vêm a mim, eles sentem a solitude e aproveitam para dar as caras, escarniarem um pouco, e depois partem, pensando ter conseguido fazer algum estrago.
Horas e horas sem dizer uma palavra, provocam algumas reações esquizofrênicas, conversar consigo mesmo, pensar em voz alta, fazer planos bizarros para o futuro.
Quando já não aguento mais o peso de minha prisão domiciliar, decido dar uma volta. Caminhadas me conectam com o infinito, eu acho. Coloco idéias em ordem, penso sobre mim, sobre o mundo e até mesmo nela.
Nas ruas, assim como eu, pessoas indiferentes a tudo. Ninguem se olha, não há toque ou contato. A vendedora da loja de conveniência nem olha na minha cara, e não vê o sorriso franco que abro ao pedir meu maço de cigarros e dizer que pagarei no débito... Vício idiota esse. Já levou boa parte do clã. E pelo andar da carroagem vai levar o último varão que também decidiu embarcar nesse pequeno suicídio diário. Vícios são as grandes muletas da humanidade. O Sistema é realmente muito esperto, dê-nos cocaína, religião ou futebol, estaremos sob controle dessa maneira.
A Tv não consegue fazer seu papel, ela é desligada... pela janela eu vejo o Sol partir para o seu sono, dando lugar a confortante noite e suas sombras... torço para que chova. Talvez assim eu saia de casa para sentir a água caindo do alto, e talvez berrar canções por aí, pular muros e gritar feito um louco para compensar as horas de silêncio do dia.