sábado, agosto 09, 2008

carta para um amigo

Faz um ano, desde a última vez que nos falamos. E não foi exatamente a conversa que eu gostaria de ter tido se eu soubesse que seria última. No momento em que eu aprendi a dizer "não", nossa relação nunca mais foi a mesma, não é mesmo chefia?!
Porque se tem uma das muitas coisas que herdei de vc xará, o gênio forte é uma delas. Só que diferente de você, eu sempre soube me controlar. Nesses dias, que estão perto do seu aniversário, eu te sinto muito presente. Nos ultimos tempos eu te achava careta e você me considerava um vagabundo.
eu lembro que vc tinha medo dos caminhos que eu escolhi, e nesse medo residiam todas as nossas brigas, pq todo pai quer o melhor para o seu filho, mas nem sempre aquilo q vc imagina como bom serve para outra pessoa, e o nosso problema era justamente esse. Eu fecho os olhos e quase te vejo ouvindo Raul, como vc costumava fazer perto de datas importantes, e como agora é hábito meu. Mas hj, bem... eu não tenho essa coragem. A unica coisa que consegui fazer foi tomar uma dose de uísque, e ficar olhando fixamente para o cinzeiro na sala.
Sabe chegado, bateu uma saudade daqueles tempos em que agente vivia com uma mào na frente e outra atrás, dos passeios de trem e de metrô, de andar de carro na paulista e de descer a augusta ouvindo as suas histórias, sentindo uma inveja por nào ter vivido ainda tudo aquilo que vc viveu.
Me peguei esses dias rindo como vc ria, e minha voz no telefone, é igualzinnha a sua. Achei uma foto nossa, eu ainda usava fraldas e vc tava me dizendo alguma coisa, baixinho, ao pé do ouvido. Que será que vc me disse? Que tipo de promessa de uma vida maravilhosa vc me fez naquele dia?
Pouco importa, o que interessa é que nossa história nunca foi fácil, e as pedras do caminho só serviram pra deixar as solas do meus pés grossas, feito pneu, fiquei cascudo, as vezes até duro demais, mas tudo que nós fomos, tudo que vivemos me carregam de orgulho. Sinto sua falta. espero que do além, vc possa ler essa carta.

E aos meus amigos um conselho, abracem seus pais amanhã, aproveitem pq o tempo é curto, pq depois... numtem mais volta.

terça-feira, agosto 05, 2008

Estrada para o Inferno - parte 1 - Chuva

"O homem é o lobo do homem." - Hobbes

A chuva que cai ensopa o meu terno caro, nas ruas da Avenida Paulista as pessoas circulam sem olhar nos olhos uma das outras, um hippie fedorento guarda seus trabalhos, eu posso ver os seios daquela morena de camisa branca. Queria que a chuva lavasse os meus pecados, mas isso é impossível em São Paulo, se fosse há alguns anos, poderia se dizer que a chuva é uma das águas mais limpas, mas nào nessa selva de pedra. Aqui chove enchofre, igualzinho ao inferno.
Há 10 anos, eu não pensava assim. Chovia na Lapa de Baixo, eu desci do trem ansioso, um ano de estudo, um concurso público concorrido, seis meses de treinamento de elite, as melhores notas, agente da polícia federal... a felicidade era tanta que o fedor do mercado municipal e as ruas abarrotadas de camelôs não me incomodavam.
Chegando na Superintendencia Regional da Policia Federal, fui encaminhado para a Diretoria de Combate ao Crime Organizado (DCCOr), deveria conversar com o Delegado Jaques Luba e fora isso não sabia de mais nada. O nervosismo, a ansiedade, e meio maço de cigarros depois, sou chamado.
Eu acreditava no sistema. E apurar as irregularidades nos três poderes, vigiar, punir, era o sonho de uma criança viciada em filmes noir realizado. Que tipo de idiota as portas do século XXI ainda acredita no pacto social? Bem, eu acreditava e estava pronto pra ser um novo defensor do sistema.
Na sala do Jaques, milhares de papéis e cheiro de cigarros misturados com um aromatizador barato, na minha frente dois sujeitos, um cara gordo, de olhos azuis e profundos, sorriso simples, pele avermelhada, cara de polonês, bonachão, se tivesse barba poderia ser o papai noel, mas por trás da aparência risonha, um olhar que analisava tudo a fundo, como se pudesse enxergar o seu caráter, antes mesmo que vc fosse capaz de pronunciar uma palavra, essa foi a minha primeira impressão do Luba. Em pé ao seu lado, com uma pasta na mão, um sujeito magro, altivo, ligado no 220, boca suja, compulsivo, me olhava como se eu fosse algum tipo de animal, bufava bastante, e mesmo que fizesse frio naquela tarde, suava bastante.
Sentado na frente dos dois, aquele seria o primeiro dia, de um inferno que nem em meus piores pesadelos, eu poderia imaginar...


continua...