quinta-feira, junho 23, 2005

uma menina parte 2

Ela não lembra ao certo como isso tudo começou, estava chapada demais. O cliente da noite era um sujeitinho insuportável, pelo que ouvira dizer, era um dos chefões do contrabando, sujeito com as costas quentes e montado no dinheiro. Baixinho, tinha mal hálito, mas cliente é cliente, nada que um tiro antes e um depois não resolvesse, tudo pela boa vida dos pais e por mais um bocado de pó do bom. Arrependeu-se amargamente de ter entrado naquele carro pela primeira vez, o desgraçado gostava de bater, arfava feito um animal, seu membro era flácido e ele descontava essa frustração provocando dor. Maria chorou amargamente, como não chorava há algum tempo, mas teve que suportar, essa e outras tantas que perdeu as contas, tudo porque o cão sarnento a adorava e muitas vezes pagava por exclusividade.
Numa quinta à noite, chovia em Sampa. Os sem-teto corriam em busca de abrigo, o metrô estava operando em velocidade reduzida e maior tempo de parada, as marginais pareciam veias entupidas de um coração prestes a ter um enfarte e ela corria chorando desesperada pelas ruas dos Jardins, e bem, pra variar, ninguém se importava. Também quem ligaria?! Com um temporal desses até mesmo uma deusa passa desapercebida. Não queria pensar no assunto, lembrou da violência com a qual tinha sido tratada, da vela começando a queimar seus cabelos, do hálito de bode, no chute que deu em suas bolas, no rato se contorcendo de dor e da vontade desesperada de sumir dessa cidade maldita.
Mandou um pra mente pra ver se melhorava, não adiantou. Virou uma garrafa de scoth e mesmo assim continuava o desespero, os prédios ao redor do seu a olhavam ameaçadoramente, cada janela um segredo sujo, algo pior que os seus, mas mesmo assim elas ousavam acusá-la. Desceu as escadarias desvairadamente, vestindo apenas a lingerie que escolhera para ir ao trabalho, ninguém notou. Seu choro se confundia com a chuva, chegou até uma passarela que passava sob a Av. Rebouças e pulou.
Ganhou uma nota em um rodapé na página de cidades do O Estado de São Paulo, seus pais ficaram estarrecidos, eram incapazes de imaginar o porquê dessa insanidade. Sua irmã mais nova se formou em medicina veterinária, é casada, tem dois filhos e a filha mais velha se chama Maria Paula, ainda não é tão linda quanto a finada tia... mas um dia... quem sabe...

sexta-feira, junho 17, 2005

Crônicas em Concreto e Vidro - Parte 1 - Uma Menina

As cidades infectaram o planeta como um vírus, e não vão descançar até que o organismo Terra morra, nesse instante elas darão um jeito de se superarem, lançarão a humanidade pelo cosmos para macularmos outros lugares, aí o terceiro planeta do sistema solar irá engulir essas antigas obras humanas para então entrar num novo ciclo de renascimento.
Quê que foi guri?! Tá achando esse velho maluco?! É talvez eu seja, sabe? Eu já fui filósofo, poeta, físico de renome, hoje eu vendo artesanato manja?! Eu faço arte. Tiro energia da cidade, aquilo que ela rouba de mim eu pego de volta, cada despedida, cada pulmão partido com a fumaça, o afeto a discórdia. Existem linhas de poder dentro delas, linhas que eu sei onde ficam, linhas de afeto, outras de dominação, é daí que eu tiro a magia, das enchentes, dos metrôs que rasgam a escuridão como os vermes das lendas... Sim, tem gente batalhadora, tem vermes sanguessugas... tem de tudo. Histórias gravadas em concreto e vidro.

Essa que eu vou contar agora não tem final feliz, é pra quem tem estômago, possui tudo aquilo que o povo gosta, sangue e sexo. E como toda boa história, ela começa falando de uma garota...

Maria Paula era linda, morena, olhos azuis, boca carnuda, uma pérola em meio aos porcos no sertão de Goiás. Cabelos longos, um olhar provocante em meio aos gestos de menina. Traduzindo para o bom e velho português de boteco, a mina era muito gostosa, mas muito mesmo. E ela sabia disso, sabia do efeito de seu rebolado, era capaz de ver as coisas ao longe, e quando pintou a oportunidade de ir a São Paulo trabalhar como modelo não pensou duas vezes. Poderia realizar os sonhos dos pais, dar uma vida melhor aos irmãos menores e viver na badalação.
As luzes coloridas, os carros em alta velocidade, as montanhas de concreto que erguiam-se imponetes em direção aos céus, parecia que nascera para aquilo, sentiu-se em casa no instante em que desceu na Rodoviária do Tietê e deu seu primeiro passeio de metrô até a agência.
O primeiro cachê foi bom. Aliás mais dinheiro que seu pai costuma ganhar em pelo menos 3 meses de trabalho duro, tudo isso apenas para caminhar, ser fotografada e vestir roupas bonitas. Baladas, muitas, agito, música, drogas, alcóol, sexo. Experimentou de tudo!!! Gastou tudo... até que uma amiga a indicou pra fazer um programa, em princípio era para apenas servir de acompanhante para um velho babão em um jantar de negócios, nada demais, até porque mesmo com a invenção do viagra... provavelmente ela mataria o velho do coração... Depois vieram os masoquistas que curtiam apenas apanhar, cocaína da boa, dinheiro que garantiria o futuro da irmã mais nova, uísque do bom, carro importado, o sonho de menina realizado.
Mas nem tudo são flores, sexo burocrático, nada de beijos apaixonados, apenas estocadas sem carinho, gemidos ensaiados, mentiras, no Mackenzie vestia a imagem de garota inacessível, fazia administração, não tinha amigos, só clientes e colegas de trabalho, os sonhos nem são tão bons quanto os devaneios mandados por Orfeu... chega uma hora em que a viagem termina e o pesadelo começa.



continua...

segunda-feira, junho 13, 2005

Perdido

Ele odeia admitir, mas se comove com a ocasião de consumo celebrada no dia dedicado ao santo casamenteiro. De quê essas coisas adiantavam pra ele?! Casais apaixonados pelas ruas, campanhas publicitárias péssimas e aqueles corações miseráveis espalhados pelas vitrines. A boa e já desgastada imagem de subversivo ordenava repúdio total a essas imposições do Sistema, mas invariavelmente todos os anos ele se sentia incrivelmente só. Noitadas, a brisa fria da noite e até mesmo a boa e velha cerveja, companheira de longa data, pareciam ser incapazes de animar o rapaz.
Também pudera, anos dedicados a sonhos em que seres humanos como esses que foram concebidos para esta dimensão jamais seriam capazes de realizar. Liberdade, justiça social, solidariedade ainda são conceitos avançados para nossa época, e por mais que não acreditasse em uma trascendência após a morte e ridicularizasse a separação da racionalidade do mundo sensível, permanecia imóvel, incapaz de agir, gritando paçlavras ao léu, buscando ações, querendo fazer a revolução de um único garoto, mas todo dia 12 de junho, ficava amuado, sentindo-se um zero, só não direi à esquerda porque caso contrário estaria escarnecendo de seus ideais, como se eu já não o estivesse fazendo a um certo tempo nessas singelas páginas.Sempre preso no mundo da lua.
Na semana passada em um bate-papo elevado com um grande amigo, uma verdade surgiu: "todo revolucionário é um homem perdido; seus fins são previsíveis, ou se torna um mártir (Guevara, Jannis, Morrinson, Hendrix, Cobain- todos morreram jovens), ou enlouquecem (Nieztche, Arnaldo Batista) ou acaba se rendendo, compra seu carro, vira mutuário da casa própria, ganha filhos pra se criar (seu pai)..."
Ele ainda continua atordoado com essas conclusões... Bem...uma hora ele acorda.

eu queria escrever uma ode à vitória esmagadora dos Javalis no torneio em ribeirão... mas infelizmente... tive que acabar recorrendo ao bom e velho tema dessa época do ano... c´est la vive