sábado, julho 02, 2005

Crônicas em Concreto e Vidro - A Queda do Boêmio - parte 1

Contar histórias é um bom hobby e uma cidade tão grande quanto essa selva de pedra é um vasto celeiro para elas. O importante é saber dosar a quantidade de verdades e mentiras contidas nelas, afinal, apesar de reais, nem toda história é interessante. Você pode pegar suas próprias histórias de família, contá-las num tom impessoal, e pronto, segredos podem ser revelados sem nenhuma represália. Afinal, os trens lotados, os ônibus e as antenas de celular sabem de muitas coisas. Enquanto o vírus cidade não lança seus esporos pelo universo, eu continuo dando meus tragos, contando uma história aqui, ouvindo outras, participando de algumas. Sem contar que enquanto fico sentado em alguma esquina imunda posso adimirar as pernas das moças que passam e compram minhas tralhas de vez em quando.
Nas cidades existem diversos tipos de seres, quando digo tipo estou estereotipando mesmo, existem os operários, as amélias, aproveitadores, vagabundos... e gente que consegue mesclar esses arquétipos de personalidade. A maioria gosta de casos sobre os vagabundos, seres quixotescos tem nas luzes da cidade o seu sol noturno, bêbados e saltinbancos, românticos e na maioria das vezes estúpidos. Dessa vez vou falar sobre um guerreiro, não, não falo de Hércules ou Odisseu, nessa lenda o herói cumpre sua jornada mas o descanso e as honras da vitória nunca chegarão para ele.

...

A saga começa na cidade de Cubatão entre as décadas de 60 e 70, aos 8 anos engraxava sapatos, ajudava sua mãe a fazer a feira, comprava doces. Ele mesmo havia feito a sua caixa de engraxate, menor do que a média de garotos da sua idade, aparentava 6 anos mesmo já tendo completado 10. Inteligente, ambicioso, mimado. Era a grande esperança da família, todos o adoravam. Aos 12 fez um tratamento para crescer e começou a trabalhar como balconista na farmácia daquela vila fabril.
O salário não era dos melhores, mas Ricardo era tão carismático que o farmacêutico o tinha em grande cota. Queria ser médico. Mas nunca pôde, seu pai tinha espírito cigano e repetidas vezes a família mudava de cidade. Limeira, Santos, São Paulo, Cubatão tantas que eu perdi a conta e na boléia do caminhão de mudanças o menino cresceu. Um belo rapaz diriam as moças da época, magro, alto, cabelos negros e compridos, olhos verdes que faiscavam com a sua ambição e mal-humor, seu amigos o chamavam de Tia, porque realmente era uma tia velha quando suas chatisses vinham à tona.
O ar leve da noite era o seu éter, numa década de revoluções e mudanças suas viagens de ácido eram embaladas ao som de Riders on the Storm, nas curvas da estrada de Santos ou na estrada velha de Campinas seu trovão de aço voava baixo a quase 150km/h. Muitos pegas, música, bebida, amigos e mulheres. Sua mãe não dormia enquanto ele não voltasse pra casa, o estado em que chegava deixava o coração da pobre mulher apertado, tanta dedicação, tanto amor, tudo isso para à noite ver a pessoa que mais amava com os olhos arregalados, vidrados em algo que não podia entender.


continua...

1 comentário:

Anónimo disse...

Uau... continue logo!!! Estou ansiosa...DUH!! Como sempre, né?! rss.. bjao!! Vem pra cá, Regitto!!!