sábado, julho 09, 2005

A Queda do Boêmio - parte 2

E a noite na cidade continuava exercendo seu facínio, em seu quarto de pensão o cheiro predominante era de maconha, sexo e cerveja. No trabalho sua imagem era intocável, ambicioso, agressivo bom administrador, à noite, aguentava o tranco, usava tudo que tinha direito e ainda voltava pra casa dirigindo. Foi subindo a Augusta, e ele não estava a 130, que conheceu um de seus grandes amores.
Camila era prostituta na Lovestory, linda, gostosa, pele macia e fazia um boquete maravilhoso. Ficou amigo dela numa farra que fizeram, conversaram um pouco, beberam e transaram muito. Morou com ela por seis meses, mas a espera por ela o angustiava, com sua seringa fitava a noite paulistana enquanto sua princesa estava ausente de seu castelo, pensava nas caras e bocas que ela teria que fazer, no vai e vem dos corpos, na dança sedutora em cima do palco, não aguentou, numa segunda feira qualquer deixou uns trocados no criado mudo e foi embora, já estava de saco cheio.
Aos 27 muitos que levavam o seu estilo de vida já estavam mortos, um ano depois nasceu seu filho mais velho, fruto de uma gravidez indesejada que foi bem recebida. Sua mãe torcia para que criasse juízo, mas parecia que para isso Deus não estava muito disposto a ouvir suas preces. Três anos após o primeiro filho, nasce a caçula, talvez o verdadeiro e grande amor da sua vida, mas a vida de casado e a responsabilidade de um pai de família não combinavam com ele. Todos diziam que morreria jovem e belo, as noitadas continuavam, dizia que nunca ficaraia velho e careca, que virar mutuário da casa própria, pagar o colégio das crianças e muitas outras coisas não eram pra ele.
A cidade o chamava para seus becos mais escuros, em botecos imundos dava seus tiros, tomava todas, comia alguma vagabunda no carro. Precisava de mais grana, não aguentava mais a pressão de ter um chefe, queria ser ele o patrão. E foi. Abriu uma fábrica de artigos em couro, ralou, e o negócio de fundo de garagem virou uma bela loja. Divorciado, morando com seus pais e as duas crianças, droga da boa sempre, gasolina no tanque, aos 37 poderia se dizer que a vida era boa.
Mas depois da calmaria vem sempre a tempestade. O plano Collor e o cancelamento de um grande contrato destruíram seus sonhos. Falência, máquinas vendidas, portas fechadas, chorara no colo de sua mãe como há tempos não fazia. Naquela noite saiu, precisava da brisa noturna, fez uma farra, uma grande farra. Mulheres, bebida e pó.
Seis meses depois dessa festa, Barata um de seus melhores amigos morreu em consequência do vírus HIV, o mundo desabou.
A espera no corredor gelado do Emílio Ribas foi tensa, o resultado, desesperador. Positivo, agora carregava uma bomba relógio em seu próprio sangue, morreria jovem, era sua certeza, mas não belo como gostaria. As farras continuavam, começou e parou o tratamento inúmeras vezes e outras sem conta ficou internado, achando que a hora chegara.
Abriu um novo negócio, sua ambição o mantinha e mantém agarrado a cada centelha de vida, trabalho, tudo se resumia a isso. E cigarros também, largou os piores vícios, mas era o "careta" que o empurrou de vez para o buraco, dois edemas pulmonares, fôlego zero, toda vez que sai à noite fica debilitado demais no dia seguinte, impotente e impedido de cair na gandaia sua vida se resume a pagar a prestação do automóvel, bancar os estudos do mais velho e praguejar sobre a vida quando olha no espelho e vê os cabelos longos já grisalhos, pelo menos não ficou careca.

4 comentários:

Marcus DIeckmann disse...

Isso tudo me faz pensar e analisar.

Como voce mesmo disse na primeira parte, e preciso saber dosar as mentiras e verdades. E nao simplesmente fazer substituicoes baratas.

Eu sinceramente acho que todo escrito cria atraves de suas vivencas e visoes, nao que alguns nao tenha vivencia e visoes fora do plano concreto.

Mas o importante, na minha sincera opiniao, é pegar o amago da coisa e traspanta-la para um ambiente alheio e mesmo assim preservar sua sintese. entende?

Logico, pedir que tudo seja impessoal é impossivel. Mas nao adianta simplesmente rmantizarmos uma historia usando nomes ficticios e "porpurinas".

Veja tudo isso como uma critica construtiva.

Marcus DIeckmann disse...

PS: Eu diria mais simplesmente, faltou GOMA, faltou DENDE.

Anónimo disse...

Regittooooo !!!
Eu posso não entender do q estou falando... mas adorei essa história.. !!!! E fiquei com mto nojo desse cara.. ao invés de dar um jeito na vida, após a morte do amigo, resolveu deixar tudo pior, não deu o valor certo à vida... e caiu em desgraça, pq ele quis... Isso me deixou triste... coloque textos mais felizes... por favor?! rs... acho q não, né?! bjss
de sua mana, Kell
OBS: Saudades de vc, meu.. !!!

A. Diniz disse...

Peças de teatro de José Celso Martinez, ou aquelas bizarras do Antunes que deixaram a Luciana Vendramini louca. Peças assumidamente reais e dotadas de um realismo lírico que falta nesses nossos dias pra levar a vida na beirada do precipício. Você nunca deixa de me surpreender, Saddam-man!

Ah, e quando tiver um tempo, passa na Companhia da Coca Cola, fazendo um favor.